quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Clarice Falcão contra os clichês antiabortistas

Galera,

Ontem postei aqui na página que sou a favor da legalização do aborto. Fiquei um pouco chocada com o nível do debate nos comentários. Não tanto pelo conteúdo (o assunto é polêmico e é natural que as opiniões divirjam) quanto pela forma. Li alguns comentários no estilo “vocês são assassinos”, “na hora de abrir as pernas foi bom”, “sua mãe deveria ter te abortado” e um impressionante e direto “retardada.” (admiro esse poder de síntese).

Vamos por partes. Em primeiro lugar, não me considero uma assassina. Também não considero assassinas as mulheres que optam por fazer um aborto. Não acredito que a vida comece na fecundação — se fosse o caso, metade dos seres humanos morreria nos primeiros dias de vida já que 50% dos embriões não “vingam”. As atividades cerebrais do feto só começam a existir a partir do segundo mês de gestação e o córtex (a parte do cérebro que nos permite sentir dor) só se desenvolve a partir da vigésima sexta semana. Mas, acima de tudo isso, as mulheres abortam. Independente do aborto ser legal. Elas tomam remédios, procuram clínicas clandestinas, tentam remover o feto com cabides. A cada dois dias uma brasileira morre tentando abortar clandestinamente (em geral, mulheres pobres). Se isso não é um problema de saúde pública, eu não sei o que é.

“Na hora de abrir as pernas foi bom”. Olha, primeiramente nem sempre é bom né miga. Segundamente, nenhum método contraceptivo é 100% seguro. E, pra você que acha que se o aborto for legalizado vai virar “a festa do aborto”, vale dar uma pesquisada nos lugares que já legalizaram. No Uruguai, por exemplo, o número de abortos diminuiu drasticamente após a descriminalização. Isso sem contar nos estudos que apontam uma diminuição enorme da criminalidade em estados americanos dezoito anos depois do aborto ser legalizado.

Quanto à sugestão do aborto retroativo por parte da minha mãe, se ela não quisesse que eu nascesse ou não tivesse condições de me criar eu gostaria que ela pudesse ter abortado em uma clínica legalizada e limpa com profissionais competentes e cuidadosos.

E, finalmente, minha resposta para o “retardada”: “cabeça de melão.”.

No mais, desculpa o textão.