sábado, 28 de dezembro de 2019

Lígia Fascioni sobre as maravilhas de um abismo social pequeno

A maioria das pessoas que conheço que vêm a Berlin pela primeira vez ficam encantadas com 3 coisas: a espantosa quantidade de área verde; o excelente transporte público; e a segurança.

E quase automaticamente, vem a pergunta: dá para ganhar bem trabalhando aqui?

Aparentemente, uma coisa não tem nada a ver com outra, mas penso que a conexão é mais profunda do que parece à primeira vista; eu explico.

Berlin não é um parâmetro muito válido porque é considerada uma cidade pobre para os padrões alemães, uma vez que aqui é a sede administrativa do país e não possui muitas indústrias. Mesmo assim, dá para dizer uma coisa que vale para o país todo e que talvez deixe muita gente aí no Brasil chocado: a diferença entre o salário de um operário (ou caixa de supermercado) e de um diretor de empresa é, no máximo, 6 vezes. Isso inclui funcionários públicos de alto escalão, professores universitários doutores, juízes e médicos. É claro que estou falando da maioria da população alemã (um diretor de uma multinacional com 30 mil funcionários espalhados pelo mundo obviamente ganha muito mais, mas não representa a média da qual estou falando, que é de empresas pequenas e médias).

Um amigo comentou que o mesmo acontece na Suécia; um professor universitário, com doutorado, ganha, no máximo 2 mil Euros líquidos. Para se ter uma idéia, um almoço no restaurante universitário lá custa 8 Euros. Não é fácil, né? No entanto, esses países são os que se considera como tendo a melhor qualidade de vida.

Então, imagine: é como se no Brasil, o rendimento máximo bruto de qualquer pessoa que vive de salário fosse R$ 5 ou 6 mil reais. Disso, quase 40% ficam retidos para os impostos, aposentadoria e plano de saúde obrigatório. Pois é, não sobra muito.

Por isso é que aqui a gente não vê um funcionário público, seja ele quem for, se achando o Sr. Rei da Cocada Preta (no Brasil, nosso apartamento ficava perto do ministério público; era de dar nojo a empáfia de algumas pessoas que trabalham lá). Os alemães não têm muita sobra no orçamento, como se pode ver; mas adoram viajar e ler. Então, lavam e passam a própria roupa, fazem a própria comida e limpam a própria casa.

Aqui não tem pet shop para dar banho em cachorros; os próprios donos se encarregam disso. A maior parte das pessoas compra seus móveis na IKEA e aluga um carro ou reboque para levar a encomenda para casa. Para montar uma cozinha inteira, por exemplo, é só ler o manual de instruções; tem que botar a mão na massa mesmo.

Os professores da minha escola são altamente qualificados (a escola é uma das que melhor paga); pois todos levam marmita e ninguém acha feio. Andam o máximo que podem de bicicleta e, no inverno, de transporte público. Os que têm carro usam modelos menores (aquelas horrosidades gigantes com vidro fumê e ar condicionado ligado no máximo quase não tem aqui, para minha felicidade). Outro efeito colateral é que o trânsito é excelente; a velocidade máxima permitida nos bairros é 30 km/h e eu nunca vi engarrafamentos na hora do rush.

Os prédios não têm porteiro e uma vez por semana vem uma empresa terceirizada varrer as escadas. Quando chega uma encomenda e não estou em casa, sempre tem um bilhetinho na caixa do correio avisando com qual vizinho está o pacote; é só ir lá pegar (e aproveitar para fazer um social). Às vezes a gente também fica com correspondência de vizinhos.

É claro que tem gente rica também (geralmente donos de grandes negócios). Mas eles jamais destratam serviçais, simplesmente porque aqui não há subcategorias menores, como no Brasil. As pessoas ricas também metem a mão na massa, por uma questão de filosofia mesmo.

No Brasil, ainda trazemos indícios da cultura escravagista; todo mundo quer ter alguém para mandar (e, de preferência, humilhar e maltratar, para mostrar quem é que manda). O que puder ser terceirizado, será. As pessoas contratam outras para fazer as coisas mais básicas, de levar cachorro para passear até levar o lixo para a rua; e isso é em todos os níveis.

Uma amiga brasileira que mora aqui me contou das chateações que uma alemã que morou no Brasil passou porque gostava de cuidar do próprio jardim (realmente, eles adoram). A questão é que a moça morava no Alphaville, condomínio de alto padrão em São Paulo; frequentemente era motivo de chacota porque uma pessoa do nível dela (adoro isso de “nível de pessoa”; só que não) podia muito bem pagar um jardineiro. É a cultura da sinhazinha moça e do senhor de engenho levada às últimas conseqüências.

Fico triste quando vejo a vida girar em torno na ostentação no nosso país; como as pessoas não têm vergonha de ganhar 30, 40, até 50 vezes mais que outras (sendo que boa parte é funcionária pública) e ainda acham isso o máximo; ficam esnobando o sucesso como se fosse mérito próprio, e não uma distorção do sistema. É um tal de quem consegue ganhar mais para comprar um carro maior, mandar o máximo que puder com uma prepotência totalmente alheia à realidade das coisas, que chega a doer. Seria apenas ridículo, se não fosse tão dramático.

A mordomia é irresistível (quem não gosta), mas qual é o preço disso tudo?

Só para terminar fazendo a conexão com o assunto lá do começo: se a diferença de salários não é grande (e olha que a Alemanha é a maior economia capitalista da Europa), não tem porque haver essa violência toda que a gente experimenta no Brasil.

Aqui tem gente pobre, mas não tem favela. O transporte público funciona bem porque ele é essencial; até os funcionários públicos mais graduados dependem dele para se locomover. As áreas verdes são muitas e bem cuidadas porque não são privilégio de bairros chiques; tem na cidade toda, para todo mundo.

Fico vendo as notícias do Brasil e fico pensando: não seria a hora das pessoas acordarem e passarem a viver como ricos de verdade?

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Recommendation #7: Regina Spektor



I give you All the Rowboats, Regina Spektor's complaint about art being too locked up in museums. Here are the lyrics for optimal appreciation.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Pill #16

News is what someone wants suppressed. Everything else is advertising.

anonymous (wrongly attributed to George Orwell)

terça-feira, 16 de julho de 2019

Recommendation #6: Björk

This time I bring a poetic analysis with the recommendation:



One breath away
from Mother Oceania,
your nimble feet
make prints in my sands

You have done
good for yourselves
since you left my wet embrace
and crawled ashore

Every boy
is a snake, is a lily
Every pearl
is a lynx, is a girl

Sweet like harmony
made into flesh, oh
You dance by my side,
children sublime

You show me continents,
I see the islands
You count the centuries,
I blink my eyes

Hawks and sparrows
race in my waters
Stingrays are floating
across the sky

Little ones,
my sons and my daughters, oh
Your sweat is salty
I am why
I am why
I am why
Your sweat is salty
I am why
I am why
I am why

Our story starts with us being able to breathe out of the ocean, developing feet — although they weren't quite nimble at first — and crawling to the shore. On the third stanza, humans are reminded of their similarity with the rest of the kingdom Animalia (assuming the pearl represents the oyster); indeed, about 70% of the genetic code of every animal is the same. When the melody changes, the lyrics regard the geological scale in which the personified ocean would count time. At the end of her speech, Mother Oceania claims she is still somehow a part of us: we came out of salty water billions of years ago and now it comes out of us; what a fine symmetry.

Oceania is not just a trippy Nature-driven song — as we should expect from ms. Guðmundsdóttir. It's an ode to Evolution, to the biosphere's ability to spread all over the planet. I like to see it as a compensation of creationist deity-praising music. More than religion, science can and should be fodder for art.

P. S.: I read some people saying the backing "vocals" throughout the song are supposed to be dolphins, which is a nifty touch.

P. P. S.: here is an energetic cover by the unfairly obscure Spiritwo.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Esquetes inéditos das madrugadas do Adult Swim: a elite

De 2005 a 2008, o Cartoon Network do Brasil teve um bloco magnífico de desenhos adultos chamado Adult Swim. Poucos anos atrás, o TBS tentou trazê-lo de volta, mas durou pouquíssimo, somente de 2014 a 2015. Nos Estados Unidos, ele sempre foi firme e forte, e em alguns dias, escondidos às 4:30, exibe um esquete inédito, que depois vai para o YouTube, criando esta lista de reprodução (em ordem cronológica inversa).

Aí vai a minha elite dessa lista, em ordem de preferência:
  1. Unedited Footage of a Bear
  2. Too Many Cooks
  3. Smart Pipe
  4. Live at the Necropolis: Lords of Synth
  5. For-Profit Online University
  6. Broomshakalaka
  7. Alpha Chow

quinta-feira, 23 de maio de 2019

quinta-feira, 25 de abril de 2019

quarta-feira, 27 de março de 2019

Pérolas de sabedoria de revistas femininas antigas

"Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas" – Jornal das Moças, 1957

"Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto, sem questioná-lo" – Revista Cláudia, 1962

"A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa" – Jornal das Moças, 1965

"Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo simples fato de cair cinzas no tapete. Tenha cinzeiros espalhados por toda a casa" – Jornal Moças, 1957

"A mulher deve estar ciente que dificilmente um homem pode perdoar uma mulher por não ter resistido às experiências pré-nupciais, mostrando que era perfeita e única, exatamente como ele a idealizara" – Revista Cláudia, 1962

"Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na verdade ele não irá gostar de ver que ela cedeu" – Revista Querida, 1954

"O noivado longo é um perigo, mas nunca sugira o matrimônio. Ele é quem decide - sempre" – Revista Querida, 1953

"Sempre que o homem sair com os amigos e voltar tarde da noite, espere-o linda, cheirosa e dócil" – Jornal das Moças, 1958

"É fundamental manter sempre a aparência impecável diante do marido" – Jornal das Moças, 1957

"O lugar de mulher é no lar. O trabalho fora de casa a masculiniza" – Revista Querida, 1955

"A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, servindo-lhe uma cerveja bem gelada. Nada de incomodá-lo com serviços ou notícias domésticas". – Jornal das Moças, 1959

via Cabide Vintage